Friday, September 23, 2011

Y si no hay café, también?



-Si fueses barrigón y feo, continuaría amándote, decía ella.
-Si estuvieses toda marcada de viruela, no dejaría de amarte, respondía yo.
-Si fueses viejo e impotente, continuaría amándote, decía ella.

Y estábamos intercambiando esos juramentos cuando una voluntad de ser verdadero me golpeó hondo como una puñalada y le pregunté:

-¿si no tuviese dientes, me amarías?

y ella respondió,

-si no tuvieses dientes continuaría amándote.

Entonces me saqué la dentadura y la puse encima de la cama, en un gesto grave, religioso y metafísico. Nos quedamos los dos mirando la dentadura, encima de la sábana, hasta que María se levantó, se colocó el vestido y dijo:

-voy a comprar cigarrillos.

Hasta hoy no volvió.


- Se você fosse barrigudo e feio eu continuaria te amando, dizia ela.
- Se você fosse toda marcada de varíola eu não deixaria de te amar, eu respondia.
- Se você fosse velho e impotente eu continuaria te amando, ela dizia.

E nós estávamos trocando essas juras quando uma vontade de ser verdadeiro bateu em mim, funda como uma punhalada, e eu perguntei a ela:

- E se eu não tivesse dentes, você me amaria?

E ela respondeu:

- Se você não tivesse dentes eu continuaria te amando.

Então eu tirei a minha dentadura e botei em cima da cama, num gesto grave, religioso e metafísico. Ficamos os dois olhando para a dentadura em cima do lençol, até que Maria se levantou, colocou um vestido e disse:

- Vou comprar cigarros.

Até hoje não voltou.

Excerto do conto «Corações Solitários» de Rubem Fonseca.

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